quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Com ou sem APCA, eu continuo fazendo listas...


Por Igor Gasparini

      Foram mais de 50 espetáculos de dança assistidos ao longo do ano de 2015 e, com uma avaliação bastante pessoal, segue meu TOP 10:


(Tragédie - de Olivier Dubois)


1.       Tragédie – Ballet du Nord (Olivier Dubois/França)
2.       Sociedade dos Improdutivos – Cia Sansacroma (Gal Martins)
3.       Tombé – Jorge Alencar
4.       Mordedores – Marcela Levi e Lúcia Russo
5.       Movimento para um homem só – Perversos Polimorfos (Ricardo Gali)
6.       Orô-Euá – Experimento Barroco (Robson Ferras, Thiago Negraxa e outros)
7.       Das tripas coração – Biblioteca do Corpo (Isamel Ivo)
8.       Moto Sensível – Cia Híbrida (Renato Cruz)
9.       Ha! – Cie. O (Bouchra Ouizguen/Marrocos)
10.    Terra Trêmula – Dual Cia de Dança (Ivan Bernardelli)



     Muitas vezes, estou em cena aos finais de semana e, nos outros, tenho assistido mais e mais espetáculos de dança. Tenho acompanhado também algumas séries como The Walking Dead, Sense 8 e Grey’s Anatomy e, com isso, 2015 talvez seja o ano em que menos assisti a filmes, seja no cinema, seja em casa. Ainda assim, segue meu TOP 8:


(Além da Fronteira - de Michael Mayer)


1.       Além da Fronteira – de Michael Mayer
2.       Guerra Mundial Z – de Marc Forster
3.       Na Estrada – de Walter Salles
4.       Chef – de Jon Favreau
5.       Divertidamente – de Pete Docter
6.       Contracorriente – de Javier Fuentes-Leon
7.       A culpa é das estrelas – de Josh Boone
8.       As vantagens de ser invisível – de Stephen Chbosky


A quem possa interessar... Ficam as indicações!

Feliz 2016! E que venha com ainda mais dança, teatro, filmes e séries! 



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Toda nudez será coreografada


Por Igor Gasparini


Se Nelson Rodrigues me permite parafrasear o nome de sua obra Toda nudez será castigada (1965), na dança de hoje, parece que toda nudez tem sido é desculpada, absolvida e, mais que isso, cada vez mais recorrente em obras contemporâneas. Em pouco mais de uma semana, assisti a três trabalhos de destaque no cenário da dança de São Paulo em que a nudez esteve presente e o público parece estar aprendendo a lidar com essas propostas. Longe de qualquer censura ou puritanismo, a ideia aqui é refletir um pouco sobre o corpo nu em cena e de que maneira o público tem se relacionado com ele.

Esse encontro com a obra de arte contemporânea, justamente por não ser um encontro “fácil”, precisa ser repetido, criando o hábito. O ritmo, geralmente mais lento, mais esgarçado, aquilo que se leva à cena, para quem e onde se apresenta, tudo tem mudado e a nudez é apenas mais um elemento ao qual é possível se habituar. A ideia não é a de esgotar essa relação, mas de destacar que a dança contemporânea, ao menos nos últimos 50 ou 60 anos, tem feito isso: há uma constante “artificação” (Arthur Danto) do gesto, do corpo que não é treinado, de uma dança que nem sempre gera movimento, do corpo sem aquela beleza estética esperada...


De 5 a 7 de setembro, Ismael Ivo estreou no SESC Vila Mariana Das tripas Coração, espetáculo fruto do projeto Biblioteca do Corpo, em que o coreógrafo, em parceria com a Poiesis, uma Organização Social por parte do Governo do Estado de São Paulo, junto ao SESC-SP, leva 10 bailarinos brasileiros para Viena para participarem de uma imersão artística com coreógrafos internacionais no Festival ImPulsTanz, em que Ivo é diretor artístico.

De 17 a 27 deste mesmo mês, também com organização do SESC-SP, ocorreu a Bienal SESC de Dança que, pela primeira vez, teve a unidade de Campinas como sede. O trabalho Estado imediato, de Ana Catarina Vieira e Ângelo Madureira, foi o escolhido para realizar, em evento fechado, a abertura para a imprensa, enquanto Tragédie, do francês Olivier Dubois, foi convidado pela curadoria para realizar a abertura da programação oficial, também apresentado em São Paulo, no SESC Pinheiros. 

Nos três trabalhos citados, o público se depara com o corpo nu dos bailarinos e esta nudez em obras de dança não é novidade, mas parece resistir e, mais que isso, tem sido recorrente nas diversas companhias brasileiras e internacionais. Se por um lado, há vários clichês em que o nu aparece apenas como mais um elemento contemporâneo entre tantos outros, assim como criticou o coreógrafo Paulo Caldas sobre tabela brutal publicada pelo jornal O Globo em que colocava o que era in e o que era out na dança contemporânea:

"música ao vivo: in; música gravada: out; improvisação: in; composição: out; roupas cotidianas: in; figurinos: out; cabelos curtos: in; cabelos cumpridos: out; visto que nós sabemos que a inquietude pode estar com sapatilhas de pontas num palco italiano, enquanto o clichê, descalço, pode estar travestido de performance ou site specific na rua", Paulo Caldas em artigo publicado no livro Temas para a dança brasileira, Edições SESC-SP, 2010.

Por outro lado, como nestes três exemplos citados, há trabalhos em que justamente a nudez se coloca como questão, ou faz parte da proposta cênica, aparecendo como um elemento essencial da composição dramatúrgica.

Tragédie, de Olivier Dubois

Em Tragédie, Dubois propõe ao espectador uma experiência sensorial e enganou-se aquele que apenas assistiria a um espetáculo confortavelmente sentado em sua poltrona. Por 40 minutos, os bailarinos somente andaram em linhas retas pelo palco. Completamente nus, iam e vinham rigorosamente sincronizados, ora um, ora em pequenos grupos, ora todos juntos, se revezando em entradas e saídas de cena. Entre as diversas variações na construção e distribuição espacial desses corpos, algo era constante: as pisadas sincronizadas às batidas marcadas da música. E esse pulso foi dando o tom do trabalho, gerando sensações múltiplas de êxtase à raiva, enquanto todos, hipnotizados, vivenciavam tal experiência.

Após algum tempo de exposição, a nudez passa a ser apenas um mero detalhe, pois acabamos por nos habituar àqueles corpos nus que andam constantemente. Penso que esta seja uma das contribuições destes trabalhos, pois, aos poucos, fazem o público se acostumar com a nudez, sem preconceitos, sem censuras, sem puritanismo.

Novas possibilidades corporais vão sendo adicionadas aos deslocamentos, até que os movimentos se ampliam, além de sequências e novas propostas de transições que são realizadas. A música cresce, a iluminação diversifica, pisca e atormenta. E os corpos vigorosos continuam a dançar, pular, mexer, e a se movimentar incansavelmente. A condição humana levada ao êxtase máximo pela repetição, em tensão crescente compartilhada entre bailarinos e público por uma hora e meia. Muito mais que um trabalho coreográfico, os impulsos desencadeados por Tragédie torna a experiência indescritível.

Das tripas coração, de Ismael Ivo


Já em Das tripas coração, Ivo faz o público rever o seu lugar de conforto, de quem apenas observa impunemente a uma obra de arte, ao propor que as pessoas entrassem no teatro pelo palco. O espectador andava por entre as mesas e via, de muito perto, os corpos dos bailarinos expostos como em um laboratório de anatomia. Nesta galeria de arte, ou "jardim do corpo", como definiu o coreógrafo, Ivo trouxe à tona a reflexão sobre o tráfico de órgãos. Ao som de um pulso constante com clima hospitalar, alguns dados foram apresentados projetados no ciclorama, afirmando que o Brasil é um dos países com maior número de casos de tráfico de órgãos, o que fez Ivo trabalhar esse tema, visto o constante silenciamento da mídia sobre o assunto.

Notavelmente, aqui há mais um exemplo de experiência em que o público vivencia algo distante daquele lugar acomodado em que está acostumado. Ainda assim, em Das tripas coração, após a visita ao “jardim do corpo”, todos puderam se acomodar para então apreciar o processo artístico desenvolvido com os dez bailarinos brasileiros que se juntaram à quatro chinesas e à duas italianas convidadas. O corpo, este que pode ter seus órgãos roubados a qualquer momento e ser encontrado largado em uma praia qualquer, é vigorosamente requisitado em sequências diversas que variam da técnica à sensação, construindo uma poética bastante densa e que encerra brilhantemente ao som de Jesus blood never felt me yet, interpretada em loop por Tom Waits junto a um mendigo norte-americano.

Estado Imediato, de Ana Catarina Vieira e Ângelo Madureira


Por fim, a partir de um questionamento sobre a condição física e psicológica do artista da dança, Ana Catarina Vieira e Ângelo Madureira já iniciam seu trabalho, junto a outros quatro bailarinos, arriando suas calças e, de costas para o público, interpretam com suas nádegas as diversas batidas marcantes dos tambores da trilha sonora. E isso, por si só, já é bastante significativo, visto que a tal brasilidade é muitas vezes associada à bunda e ao Carnaval. Em alguns outros momentos da obra, os bailarinos aparecem nus novamente com o intuito de questionar também o quanto esse corpo, treinado e codificado, é adestrado por quem trabalha profissionalmente com a dança, ainda que carregado de memória, de história e de tradição.

E por falar em tradição, a dupla de coreógrafos tem como marca de sua trajetória a resignificação do ballet clássico e das danças populares brasileiras, com destaque para o frevo. Eles buscam transformar em dança contemporânea um corpo marcado por diferentes raízes culturais. O pequeno guarda-chuva, negro, ou o tutu da bailarina e sua sapatilha de ponta, são apenas elementos cênicos que contribuem para a desconstrução proposta por Estado imediato.

A partir dessas e outras obras, é possível notar que tudo aquilo que está no cotidiano, tem se transformado em arte, proporcionando outra relação com o que se apresenta. E com isso, o público se vê diante de uma proposição diferente, sendo requisitada uma participação distinta daquela que está acostumado. Na medida em que a dança contemporânea vem “artificando” o corpo que anteriormente não subia ao palco, transformando assuntos e temas do cotidiano em obas, abrindo espaços para locais que antes não eram da dança e ainda, muitas vezes, apresentando processos e não espetáculos como, em teoria, o público espera, algumas questões se apresentam:

Quem assiste a dança contemporânea hoje? Quem sabe onde está ou sabe o que é? Onde circula essa informação? Talvez seja apenas entre seus próprios pares, que buscam as informações sobre aquilo a que fazem parte. Entretanto, há artistas cada vez mais conscientes do papel que possuem neste ambiente, como nos exemplos citados, proporcionando as mais variadas experiências ao público e que, talvez, possam estar se habituando a essa tal dança contemporânea. Neste caso, a essa dança desnuda. 



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Como um boneco de Voodoo...


Por Igor Gasparini

Quatro artistas... Público ao redor... Um tapete, um relógio, camisetas e tinta... O ringue estava formado. No silêncio, a cena inicia e a ausência de trilha sonora permanece por todo o trabalho. Uma ideia interessante que contribuiu para a construção dramatúrgica proposta. Um primeiro solo e, aos poucos, iniciam as relações: duos, trios e quartetos vão acontecendo quase que naturalmente, como uma brincadeira, ora caótica, ora organizada.


(Trabalho de Conclusão de Curso Técnico de Dança - ETEC - 2015) 

Desde muito cedo, é possível perceber o que os intérpretes-criadores, agora formados no Curso Técnico de Dança da ETEC, levaram à cena diversos jogos de improviso, nos quais o foco era sempre direcionado às oposições do peso e contrapeso; ao trabalho de força e sustentação; e às recorrentes quedas. No público, era possível perceber certo incômodo cada vez que um corpo desmoronava no chão. À distância, é como se os espectadores sentissem a dor daquelas quedas, como em um boneco de voodoo... Da mesma forma que no trabalho da Companhia Cena 11, que desenvolveu exatamente esse conceito de corpo vodu em seus espetáculos, propondo cenas em que eram trabalhadas diferentes quedas, mas desenvolvidas tecnicamente, não machucando os bailarinos e incomodando apenas, à distância, o público.

Não sei se os jovens artistas chegaram a pensar neste diálogo com a Companhia catarinense dirigida por Alejandro Ahmed, mas o fato é que mesmo após a apresentação, na conversa teórica sobre o trabalho, houve até professor que estivesse preocupado em “chamar o Samu”. E eu espero que tal ligação não se fizesse necessária, já que os intérpretes tiveram meses de preparação e seria inteligente pensar na saúde desse corpo ao longo deste processo. Se utilizado com astúcia, o incômodo que causaram no público, para mim, é o grande destaque desta performance de conclusão de curso.

(Grupo Cena 11 - Espetáculo Embodied Voodoo Game) 

Outro diálogo que me ocorreu assistindo ao processo dos alunos foi com a obra Mairto, da Caleidos Cia de Dança. Nesta, a partir de uma notícia de jornal, são abordados temas relacionados ao machismo e à homofobia. Em cena, um ringue e bailarinos “lutadores” que, em cada round, desenvolvem diferentes jogos de improviso. Penso no diálogo mais pelos jogos do que pelo ringue em si e, com isso, é interessante pensar como os processos em dança têm sido levados à cena não como resultado, mas como obra inacabada passível de interferências dos artistas ao público. Dessa forma, o conceito de obra “fechada” deve ser repensado não apenas no contexto de formação técnica, mas no cenário profissional da dança, já que se configura como uma realidade na arte contemporânea em geral.

(Caleidos Cia de Dança - Espetáculo Mairto) 


E é necessário que o espectador perceba que o seu papel vai além de buscar entender a obra para chegar a uma relação experiencial com ela, pois o espetáculo não ocorre independente da relação com o público, sendo o resultado daquilo que é produzido nesta relação. O fato de apresentar o resultado de um processo de criação não encerra o processo, mas, ao contrário, propõe a sua continuidade, agora na presença dos espectadores. Como evitar a famosa pergunta: “mas o que vocês quiseram dizer”?
          
      Na sequência da apresentação, sem muito tempo para enxugar o suor que ainda escorria nos rostos, seja pela performance ou pela ansiedade em si, era o momento de apresentar publicamente a reflexão crítica que norteou o trabalho de conclusão. Ainda jovens e, de certa forma, inexperientes academicamente, foram levantando, com nervosismo, o histórico de formação do grupo, afinidades e dificuldades que encontraram no processo de desenvolvimento deste trabalho e apresentaram algumas citações de autores diversos que, segundo uma das professoras, poderiam ter sido aprofundadas melhor.

Porém, pensando no foco de um curso técnico de dança, diferentemente de um curso universitário, foi notório que na prática, no processo apresentado, o trabalho foi reconhecido por todos, tendo a certeza de que estão aptos a seguirem profissionalmente em suas companhias, dando aulas ou desenvolvendo suas pesquisas corporais em dança. Como na cena, o relógio tocou colocando um ponto final na discussão e não havia mais tempo para o diálogo. O que restou foram as palavras emocionadas de agradecimento e, talvez, um roxo aqui e ali.


Curso Técnico de Dança da ETEC Trabalho: VoNumVô Intérpretes: Cezar Augusto, João Batista, Mayara Rosa e Tiago Nascimento Orientação: Ana Sheldon Co-orientação: Camila Davanzo

segunda-feira, 30 de março de 2015

Estesia: sensações particulares de 4 em 1


Por Igor Gasparini


                O conceito de estesia corresponde à capacidade humana de interpretar sensações e relacionar-se com o mundo pelas diversas percepções. Esta habilidade permite que as pessoas se comuniquem não apenas verbalmente, mas em um fluxo inestancável de troca de informações (TEORIA CORPOMÍDIA, KATZ e GREINER, 2001) sejam elas visuais ou não. E foi pensando (ou sentindo) este conceito que terminei a última sexta-feira, dia 27, após assistir a quatro trabalhos distintos no SESC Pinheiros.  

                Em espaço alternativo, Marta Soares e Cia apresentaram o trabalho Deslocamentos – experimento II, contemplado pela 16ª edição do Programa de Fomento a Dança para a cidade de São Paulo. Na sequência, o programa Brasileiros, do Balé da Cidade de São Paulo, estreou, no palco do Teatro Paulo Autran, três trabalhos de ex-bailarinos da Companhia, que hoje possuem suas pesquisas consagradas em núcleos particulares do cenário da dança contemporânea. Foram apresentados: ---Fio da meada, de Gleidson Vigne; Árvore do esquecimento, de Jorge Garcia; e Cenas A37, de Alex Soares.

(Marta Soares e Cia - Deslocamentos: experimentos II)


                Após tentar digerir melhor cada um dos trabalhos, a grande reflexão que ficou foi: para onde estaria indo a dança contemporânea? Com certeza, uma pergunta sem resposta, mas que faz com que muitos caminhos sejam trilhados na busca por uma pesquisa de linguagem que varia do extremo do conceitual e da ausência de sequências coreográficas a outra ponta em que parece haver muita fisicalidade e técnica e pouca reflexão.

                A arte contemporânea, independentemente da linguagem, suscita potentes reflexões e, muitas vezes, é possível desmistificar preconceitos, tendo em vista que até hoje há quem acredite que obra de arte se resuma apenas a quadros emoldurados na parede. O fato é que o leque de possibilidades da arte contemporânea é bastante grande, podendo abranger manifestações das mais variadas perspectivas, inspirações e técnicas. E, neste enorme espectro, o que se caracteriza então como arte contemporânea? Fatalmente aquilo que dialogue com o momento atual, que saiba olhar para as contradições existentes no meio e ainda promova reflexões críticas.

                Quando adentramos ao universo da dança contemporânea, então, é possível perceber ainda mais complicações e, em geral, o público continua em busca do mesmo entendimento com que lida com as formas de comunicação apoiadas na linguagem verbal: dedica-se a desvendar o significado da sua mensagem. Entende que o seu papel é o de conseguir identificar qual foi a intenção do artista criador e, na maioria das vezes, não consegue formular uma legenda explicativa para o que assiste. Esse é o traço que caracteriza, no caso da dança, a relação do público leigo com os espetáculos que assiste, o que empobrece o potencial reflexivo que a arte contemporânea propõe.

O trabalho Deslocamentos, de Marta Soares, é uma obra de arte, a ser contemplada silenciosamente como nos corredores de um museu. Não é para assistir, mas para desvendar. Serão poucos aqueles que afirmarão ser dança, isso porque se trata mais de uma performance de pesquisa em que o corpo conectado dos bailarinos constrói formas diversas conjuntamente do que coreografias e sequências organizadas como comumente se espera ver em um espetáculo de dança. O silencio da sala é constantemente interrompido por barulhos diversos de avião a descargas e o público desavisado levantou-se e foi embora, não se desafiando a aguardar o final da obra.


Concordo que falta dinâmica, visto que o trabalho começa e termina na mesma toada, sem altos e baixos. Entretanto, sendo essa a proposta, a de apresentar a pesquisa como “partituras coreográficas em que diferentes corpos moldados por figurinos se movem gerando figuras hibridas e sem classificação pré-estabelecida”, o trabalho é apresentado para ser contemplado, desvendado, observado sob diversos ângulos e, de volta ao conceito de estesia, Martas Soares definitivamente propõe algo a mais do que uma obra facilmente assistida como um espetáculo de dança.

O público foi colocado como assistindo a um filme antigo. O corpo estranhou a lentidão. Foi incômodo e desconfortável fisicamente, visto que o corpo sente falta dos excessos, das múltiplas imagens e do barulho intermitente já adaptados em nossas vidas. Tudo é muito rápido e não se pode perder tempo. E em termos culturais, todos estão sempre prevenidos, mas ao mesmo tempo, cada vez mais impacientes. Talvez, se tivesse sido realizado como uma intervenção em uma área de convivência do SESC, não teria incomodado tanto a alguns presentes, visto que cada um dedicaria o tempo que achasse necessário para contemplação da obra.

(---Fio de Meada, de Gleidson Vigne - Balé da Cidade de São Paulo)


Uma pausa para o café e foi a vez do Balé da Cidade de São Paulo estrear seus três novos trabalhos. O Programa Brasileiros iniciou com a obra de Gleidson Vigne, ---Fio da Meada, levantou-se a cortina e logo identificou-se o que seria o cerne da composição: um espetáculo plasticamente belo, com iluminação, cenário e figurinos que impressionaram o público que lotou o teatro Paulo Autran. Diferentemente de Marta Soares, neste há dança, muita dança, mas falta densidade. Há coreografias muito bem executadas, mas permanece na superfície, na borda e nem se quer o release foi capaz de aprofundar a temática proposta. Uma pena.

O segundo trabalho, Árvore do Esquecimento, de Jorge Garcia, teve inspiração em suas raízes populares. Pernambucano, Garcia propôs ao elenco uma releitura do livro e documentário Pedra da Memória, de Renata Amaral, resgatando memórias ancestrais com influências das festas populares, da descendência africana e da história do Brasil. Um trabalho indigesto, com trilha sonora que incomoda pelo barulho intermitente, tem seu potencial justamente na relação destes elementos. Um gramofone de cenário grita lá no fundo da sua alma enquanto assiste a personagens bem caracterizados e com movimentação bastante peculiar. Tão peculiar que pareceu não encaixar tão bem nos corpos dos intérpretes. Com exceção do intérprete solista que inicia a obra, as raízes populares, as referências da terra e do chão estavam lá, mas era possível identificar ainda nos corpos dos artistas as bases clássicas e contemporâneas. Ainda assim, esse diálogo entre linguagens parece ser algo bastante potente no cenário atual da dança contemporânea.

(Árvore do Esquecimento, de Jorge Garcia - Balé da Cidade de São Paulo)


Por fim, Cenas a 37, de Alex Soares, revisitou a obra Cenas de Família, de 1978, do próprio Balé da Cidade. Após três décadas, como estariam aqueles personagens, com seus problemas e conflitos, após a morte de um dos membros da família? Soares propõe uma atmosfera cinematográfica e constrói o espetáculo como em um drama clássico do cinema. Cenários e figurinos auxiliam nesta construção cênica que traz as memórias e o luto como tema central. Corpos que caem pela morte do outro, mas são constantemente reerguidos; um ente querido, hoje distante, imerso a uma bolha de ar, intocável, impassível, inalcançável; o envelhecimento e a consciência da realidade, como em um espelho que reflete sua história. Enfim, foram muitas as reflexões, embora, por alguns momentos, parece que a construção era interrompida por um novo disparador na construção dessas memórias.

(Cenas A37, de Alex Soares - Balé da Cidade de São Paulo)


Volto então ao conceito de Estesia não como um amontoado de estímulos, mas como uma sensação articulada e coerente que também origina o conceito de Estética, aptidão para compreender as sensações causadas pela percepção do belo e de Anestesia, a vedação dos sentidos. E foi entre sensações diversas, do cansaço físico a contemplação da plasticidade, da reflexão a ausência dela, do incômodo corporal ao pleno conforto de uma assistir a uma obra mais leve, da dança a não dança, que o público pôde retornar aos seus lares certos de que, independentemente de qualquer juízo de valor, tiveram contato com distintas obras de arte contemporânea.



Referências:

KATZ, H.; GREINER, C. A natureza cultural do corpo, in Revista Fronteiras, vol. 3, n.2, p.65-75. Rio Grande do Sul, 2001.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

TOP N

Por Igor Gasparini

          Engraçado como as pessoas gostam de fazer listas. E eu, não escapo à regra! Lista de afazeres; de supermercado; do que não comer; de aniversários... Mas se tem algo que eu nutri desde a minha infância e adolescência, foi a mania, ainda compartilhada com alguns amigos, de anotar todos os filmes assistidos no ano para, no ano seguinte, contabilizar e fazer o tal do top 10. Confesso que com o passar dos anos a quantidade de filmes diminuiu, a de séries aumentou, mas, com certeza, o que mais cresceu, sempre foram os espetáculos e as exposições.



Então, dentre as muitas listas de 2014, resolvi publicar nesta virada de ano o TOP N. Sim! N! Porque não quero Top 10 ou Top 5 ou Top 3, quero listar aquelas obras que mexeram de alguma forma comigo e, a quem interessar possa, quem sabe servir de indicação para um sábado a noite, ou uma segunda talvez, madrugada de terça. N = 9933.

E vale a pena ressaltar que não se trata de uma crítica especializada a esse ou àquele espetáculo, mas sim de uma enumeração de obras que convergem com o gosto deste que lhes escreve!


                FILMES – TOP 9

1.       Terapia de Risco


2.       Her
3.       Chamada de Emergência
4.       Pina
5.       Amnésia
6.       O segredo dos seus olhos
7.       Ninfomaníaca
8.       Five Dances
9.       Hoje eu quero voltar sozinho


ESPETÁCULOS (Dança e Teatro) – TOP 9

1.       Revière – Morena Nascimento


2.       Sobre isso meu corpo não cansa – Quasar Cia de Dança
3.       Once – Musical
4.       A última palavra é a penúltima – Teatro da Vertigem
5.       Hysteria – Grupo XIX de Teatro
6.       Sem passagem – Kahal Cia Experimental
7.       Cacti - Alexander Ekman remontagem com Balé da Cidade de São Paulo
8.       Dark Room – iNSaio Cia de Dança
9.       Oroboro – Alex Soares / MovOla


EXPOSIÇÕES – TOP 3

1.       Made by... Feito por Brasileiros – Hospital Matarazzo


2.       Iberê Camargo – Centro Cultural Banco do Brasil
3.       Acervo permanente do Museu da Resistência – Estação Pinaconteca


SÉRIES – TOP 3

1.       The walking dead – Seasons 1, 2 e 3


2.       Grey’s Anatomy – Seasons 9 e 10
      3.       Awake – Season 1