domingo, 12 de outubro de 2014

Nota de Esclarecimento - Sobre peça "O Unicórnio"


   Gostaria de esclarecer o que segue:

   No último texto "O olhar de um unicórnio", a construção textual "Reconhecida por seu trabalho na área de musicais, ao contrário do que se esperaria, a peça surpreende pelo drama imposto pela sensível protagonista interpretada por Flávia Couto." gerou certa repercussão negativa que gostaria de esclarecer.

   A referida diretora se sentiu ofendida por achar que a afirmação foi preconceituosa com a área de musicais. NÃO! Não há qualquer juízo de valor em tal afirmação. O contexto é simplesmente o de situar o leitor que, embora ela seja inclusive coordenadora do principal curso de teatro musical do país, a peça não tinha essa característica; para que o leitor soubesse que a peça se tratava de um drama. Novamente, não há juízo de valor como se o teatro musical fosse uma área menor ou sem estudo, como ela quis "desabafar".

   Fiz questão, então, de escrever essas linhas para que todos os que acessam o blog, inclusive os muitos amigos que trabalham com teatro musical, não se sintam ofendidos. Tal sensação não foi compactuada com os atores da peça, mas como houve diversas manifestações de repúdio, achei por bem escrever o meu posicionamento. Sempre acompanhei a área, admiro bastante, conheço muitos que trabalham com isso e, acima de tudo, respeito o trabalho desses profissionais!

   E aos que me julgaram, também aconselho pesquisar a minha história. Afinal, também houve demasiado preconceito em consequência deste "desabafo". Como muitos ainda acreditam, assim como afirmou Afrânio Coutinho, os críticos “são apontados como jornalistas que se improvisaram e se converteram rapidamente em juízes; ou então, frustrados que buscaram abrigo nos meios de comunicação para criticar com veemência os que obtiveram êxito na produção cultural”. Mas realidade não é bem assim! Na verdade, o que parece fazer sentido é que nenhum artista gosta de ter o seu trabalho negativamente observado. Quando a crítica é positiva, ótimo, mas se falam qualquer coisa de negativo, minha nossa! Vamos difamar este profissional! Ainda que eu tivesse escrito algo negativo, o mínimo que eu esperava, era um pouco mais de respeito!

   Aos que falaram de estudo, inclusive, vejam as minhas duas graduações + especialização + mestrado. Enfim... Sucesso à peça! Que como escrevi, continua valendo muito à pena!



(Trecho da troca de mensagens. O que se sucedeu depois, em sua página pessoal, nem merece atenção, pois aí sim são diversas reproduções generalizadas de preconceitos!)

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O olhar de um unicórnio


Por Igor Gasparini

“Não, não, havia uma certa escuridão no olhar, principalmente quando ela estava perto dele. Do irmão? É. Ela tinha medo do irmão? A escuridão vinha do medo? A escuridão talvez viesse do medo de se sentir com medo” – O unicórnio, Hilda Hilst.


(O Unicórnio - Foto: Hellena Mello)


Na última segunda, 29, estive no Viga Espaço Cênico, em Pinheiros, para assistir ao espetáculo teatral O unicórnio, dirigido por Christina Trevisan. Reconhecida por seu trabalho na área de musicais, ao contrário do que se esperaria, a peça surpreende pelo drama imposto pela sensível protagonista interpretada por Flávia Couto. Ao lado de Frank Tavantti e Vivyan Albouquerque, a trama constrói-se a partir da adaptação do texto homônimo de Hilda Hilst e o que mais instigou foi justamente o olhar deste trio de atores.

Do olhar triste e sedento por piedade da protagonista aos olhares cínicos dos irmãos, no decorrer da narrativa, é de apodrecer junto à personagem escritora, de sentir suas fraquezas, e querer levantar-se da cadeira para acolhê-la, protegendo da crueldade dos irmãos. Mas seriam irmãos ou seu subconsciente? Escritora ou unicórnio? Sarna ou cacos de vidro? Hilda Hilst ou um personagem qualquer? Muitas são as dúvidas que ficam, mas algo é certo: o público não sai impassível do que ocorre na cena. É de levar um soco no estômago e refletir sobre a vida, sobre suas crenças e sobre a sanidade que buscamos ter.

Vejo o unicórnio por si só como um ser instigante. Na mitologia, apenas as jovens puras, e virgens, são capazes de se aproximar e domar este animal. Obviamente, o texto transformar a escritora em unicórnio é bastante sintomático, afinal, mostra o desejo da protagonista pela pureza, pelo amor verdadeiro, enquanto, como ocorre na vida fora da ficção, o que se vê é justamente a falácia do discurso, marcado fortemente pela crise de identidade. E nesta tensão, o papel dos irmãos é essencial por esfregar em sua cara a grande contradição. Em conflito, a personagem vai pouco a pouco esvaindo e, entre amor e excremento, tem o ápice de sua epifania: “eu acredito... eu acredito... eu acredito...”.

A autora, conhecida por temáticas pornográficas, faleceu em 2004 e deixou um grande legado para a literatura brasileira. Com sua vida pessoal marcada por várias crises, Hilda desenvolveu uma obra muitas vezes interpretada como autobiográfica. Em O unicórnio, há quem afirme ser ela a protagonista, trazendo seus conflitos pessoais em relação à orientação sexual para os personagens dos dois irmãos, como reflexos de seu subconsciente. O lado masculino pederasta e o lado feminino lésbica atormentando sua existência.  

Segundo Eliane Robert Moraes, professora da USP, com quem tive o prazer de ter aulas quando ainda trabalhava na PUC, “ela escreveu poemas místicos voltados a um plano divino e escreveu também uma pornografia deslavada. Ela realmente tem um traço de polarização que não existe em nenhum outro escritor ou poeta brasileiro”. Uma peça de teatro com texto de Hilda Hilst não é algo novo, mas a adaptação de O unicórnio para a cena, trazendo três personagens singulares, bem interpretados por atores com ótimas referências de corpo e interpretação, torna a produção única e merece ser prestigiada.


(O Unicórnio - Foto: Hellena Mello)


O unicórnio fica em cartaz até o dia 27 de outubro, todas as segundas-feiras, 21h, no Viga Espaço Cênico, na rua Capote Valente, 1323. Assistam, mas preparem-se, porque não será uma noite tranquila com cara de “novela das 8”.